terça-feira, 21 de agosto de 2012

Por uma nova política cultural

Décimo primeiro item dos "13 bons motivos para votar em Valéria Mozzer - 13277 - Vereadora"



11. Pelo reconhecimento da cultura caiçara, quilombola, indígena, como patrimônio municipal de Paraty;
Por uma nova política cultural
Paraty, como destino indutor de turismo cultural e candidata, pela terceira vez, ao título de Patrimônio da Humanidade, precisa repensar urgentemente sua política cultural.

Embora muitos digam que Paraty nem sequer tem uma política para essa área, na verdade tem uma, sim, voltada a eventos culturais, que supostamente trazem cultura à cidade e levam cultura a comunidades carentes, como contrapartida social.   

No entanto, essa política é altamente discutível, por três pontos fundamentais:  

1. Em primeiro lugar, essa política abandona o desenvolvimento de um processo cultural pelo turismo de massa, ao buscar como prioridades o sucesso de público e a visitação da cidade, que garante a esses eventos o patrocínio privado. E, com isso, troca a lógica da cultura pela lógica do mercado, que é a da indústria cultural, com produtos mais refinados para um público de elite e outros para um público mais popular.

Essa é a regra para o calendário cultural das cidades brasileiras, a partir de leis de renúncia fiscal que dão aos empresários a decisão sobre o que incentivar em cultura. 

Essas leis privatizam os órgãos públicos de cultura, entregando sua atuação a organizações culturais privadas que promovem esses eventos. As quais transformam esses órgãos num balcão de negócios de subsídios oficiais e de patrocínios privados e decidem sobre a política cultural em favor de seus interesses e dos patrocinadores, ao invés do interesse coletivo que elegeu o poder público.

Para isso, essas organizações normalmente proclamam o poder público como arcaico ineficiente e corrupto e, em nome da modernidade, da competência e até mesmo da ética, tomam posse de seu espaço e armam um esquema perverso, onde o papel do Estado é investir e o delas é lucrar.

No entanto, todos sabem que, numa democracia atuante, o Estado se renova em eleições abertas, é pressionado pela transparência e seus dirigentes podem ser punidos por seus atos. Ao passo que as organizações privadas só se renovam em âmbito fechado, prestam contas apenas restritas do dinheiro que recebem e, quanto mais poderosas, menos respondem pelo que fazem. 

O que gera gigantescas distorções. Recentemente a Controladoria Geral da União descobriu que 305 convênios da União com entidades sem fins lucrativos somavam desvios de verbas no valor 755 milhões de reais. E os maiores deles se deram em convênios de ONGs com os ministérios da Cultura, das Cidades e do Turismo


2.  O segundo ponto de discussão dessa política é que, além de altos negócios com eventos, as organizações culturais se esmeram no marketing cultural, vendendo idéias solenes como as de tradição, autenticidade e preservação, que dão a seus projetos uma aura de competência, junto a leis de incentivo, órgãos oficiais e patrocinadores e uma aura de idoneidade junto à opinião pública.    

Essas idéias são, normalmente, aplicadas à cultura tradicional, como expressão básica da atuação do homem em seu meio, de sua relação com os semelhantes e de seu universo simbólico.  E todas elas vão numa única direção: a da imutabilidade, essencial para transformar essa cultura num produto industrial. Que, como todo produto industrial, não leva em conta quem o produz.

Mas, ao levarmos em conta quem faz a cultura tradicional, veremos que, nas comunidades caiçaras, quilombolas ou indígenas, a tradição nunca foi à mesma.  E a autenticidade sempre foi algo que passou longe delas.      

O caiçara, por exemplo, é uma soma de influências externas no que é e no que faz. Já na origem, ele é euroafroíndio, com traços europeus na ciranda, traços africanos na casa de pau-a-pique e traços indígenas na construção de canoas e na dieta alimentar.

Mais recentemente, suas terras foram invadidas pela especulação imobiliária e tiveram o uso regulamentado por órgãos ambientais. A pesca artesanal sucumbiu à de arrasto. E o caiçara passou a comprar na cidade coisas que antes produzia como farinha, melado, cachaça e aves de criatório.

Além disso, novas crenças religiosas passaram a combater suas festividades tradicionais. E, com o advento da escola padronizada, foram desaparecendo, pelo desuso, a transmissão oral de conhecimentos e os saberes tradicionais.  

Agora, o turismo vem introduzindo novos costumes em seu cotidiano, substituindo seu trabalho na roça e no mar e pressionando a venda de sua casa. E, sem ter onde ficar, o caiçara vem deixando sua comunidade, reduzido à miséria econômica e cultural.

Então, vem a pergunta: o que sobra dessa cultura, para preservar?

Porque não basta preservar os tão decantados saberes e fazeres do caiçara enquanto ele assiste ao desaparecimento de seu território, de sua sustentabilidade, de sua comunidade e do universo simbólico que compõem sua cultura.

Em outras palavras, não há como preservar o produto sem preservar o processo dessa cultura. Não há como preservar essa cultura sem preservar o sujeito que a produz e sem garantir a esse sujeito o direito de produzi-la.

Para fazer isso, será preciso negociar com interesses poderosos, como os da especulação de terras, dos grandes empreendimentos imobiliários, do turismo de massa, da exploração do petróleo e da pesca industrial, sem falar numa política ambiental de suma importância para o futuro, mas de equívocos brutais no presente.  

E essa negociação não pode ser feita pelas organizações culturais. Porque elas não têm a estrutura institucional necessária. Não tem a visão do todo cultural. Não têm o trato de suas implicações políticas. E, principalmente, não têm o mandato popular para substituir o governo nessa tarefa.

3.     Por isso, para atender à complexidade que a envolve, a cultura tem que obedecer a uma política pública, de amplo espectro, de ampla discussão e de ampla competência.

Uma política pública que deve, sim, buscar as organizações culturais, porque elas representam a sociedade organizada e são a voz da cidadania. Mas que deve mantê-las no lugar que lhes cabe nesse processo, como importantes parceiros de projetos oficiais, mas não aparelhando a máquina estatal, administrando verbas públicas e capitalizando os resultados de um trabalho cuja iniciativa cabe ao governo.          

Uma política pública, enfim, que tenha com as organizações culturais não uma relação de clientelismo ou de subserviência a seus interesses ou aos interesses de quem elas representam. Mas uma relação de liderança, através do diálogo, da negociação e do acordo, em prol das metas do poder público, legitimamente eleito para atender aos interesses de todos.

Do contrário, continuaremos assistindo a eventos cada vez maiores, que vão trazer hordas de turistas a uma cidade que continuará pequena, mesmo quando tiver saneamento básico.

Eventos cada vez mais caros e sofisticados, que continuarão carreando para si todas as verbas públicas e de patrocinadores privados, deixando á míngua a pequena e média iniciativa cultural da cidade e eventos comunitários que lutam para sobreviver.

Eventos cada vez mais pasteurizados, nos quais os artistas e as manifestações locais de cultura poderão até fazer uma figuração, mas continuarão longe do papel principal.  

E, enquanto isso, os caiçaras continuarão sofrendo ameaças a seu território, como aconteceu com Seu Maneco e família, na praia de Martim de Sá. A pesca continuará proibida para as canoas, mas liberada para as traineiras. As comunidades caiçaras continuarão se pulverizando na periferia da cidade. Até que, na Rua do Comércio, em troca de algumas moedas, os últimos cirandeiros cantem suas últimas canções.     


Gilberto Galvão

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